segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Finalmente Eu Matei Goku

Num daqueles domingos em que se bebe até tarde e não se espera acordar tão cedo eu acordei no meio da madrugada com um som estranho.
Era um som quase rítmico de um animal roendo algo.
Imaginei que pudesse ser minha cachorra no quintal roendo alguma coisa, então ignorei.

Mas aquele som; Aqueles plocs e plucks e rocks e rucks me tiraram do sério. E eles pareciam vir de dentro de casa e não de fora.
Levantei na ponta dos pés, peguei um rodo e fui sorrateiramente até a origem do som na cozinha.
Plock, plock, pluck, rock, ruck, crack, plock ccrak, nhak. O som ficava mais forte.
Na tentativa de ver o que era me estiquei e acendi a luz.
Tudo o que consegui ver foi um vulto cinza correndo muito rapidamente para fora.

Uma semana depois decidi tomar alguma atitude. Poderia ser um gato de rua, um rato ou algo parecido. E só eu sei como tenho nojo dessas coisas podendo encostar em meus copos, colheres, pratos, enfim.
Passei em uma casa de ração, comprei uma ratoeira média e decidi armá-la.

A noite ouço novamente. - Plock, pluck, rock, nhock, nhack, plock, tectectec:
A ratoeira havia pego algo.

Enquanto levantava da cama pronto para ver o que era e talvez finalizar a vida do animal ali capturado ouvi a ratoeira balançar uma vez. E outra. E outra mais. Até que TRACK! A agulha da ratoeira quebrou e o animal fugiu.

Tudo bem, fui ver o que tinha acontecido.
A comida da ratoeira foi comida por completo. Em cima da ratoeira apenas um pedaço da aste que acertou o animal e um pedaço enorme de um rabo de uns 10 CM.
Decidi chamar aquele animal de Goku pelo tamanho de seu rabo e por sua incrível capacidade de escapar da ratoeira.

Dois ou três dias depois lá estou eu dormindo e; Plock! Pluck! Nhack! Crak! Rock! Nhock! Os sons pareciam ainda mais altos.
Levantei, fui novamente na ponta dos pés até a cozinha e, novamente apenas quando acendi a luz o animal fugiu em disparada.
Mas, pela distância em que eu estava dos sons conclui que tratava-se de um animal surdo já que ele não me ouviu chegar em momento algum.
Decidi então pegar dicas com vizinhos.

Um deles, um senhor que inclusive foi preso dia desses por tráfico de armas me indicou comprar uma arma de chumbinho e atirar no escuro mesmo. Ele não me ouviria e não me veria, então eu acertaria Goku em cheio.

Foi o que fiz: Separei 95 reais "Sim, arma de chumbinho é caro" e decidi dormir com a arma do lado do travesseiro todos os dias até o dia do meu confronto com Goku.

Chegamos aqui ao dia 23 de fevereiro de 2015 por volta das duas e 10 da manhã.
PLOCK! ROCK! NHACK! CRAK! NHOK!
Lá estavam novamente aqueles sons. Mais descontrolados do que nunca e de um animal que parecia ter cada vez mais fome.
Conclui que exatamente pelo fato da surdez do animal ele não tinha noção dos sons que produzia, o que facilitava minha vida e dificultava a dele.
Muitos ratos já devem ter entrado e saído de casa muitas vezes, mesmo eu dedetizando a casa a cada seis meses. Muitos gatos transam na minha laje ou comem algumas frutas que esqueço por aí. Até pássaros já entraram em casa.
Mas Goku era mais audacioso. Goku queria comer do bom e do melhor, sempre por volta das duas da manhã, e sempre produzindo o máximo de ruído que seus dentes conseguiam.

Mas hoje havia algo diferente. Eu ouvia perfeitamente de onde vinha o seu som. De um canto entre a pia e o sexto de lixo.
Mirei como um sniper atirando por sua vida entre a pia e o sexto com a arma de chumbinho da sala mesmo e disparei tiros até o tambor esvaziar. -- -- -- -- --

Não houve nenhum ganido. Ou choro. Ou grito de dor. Nada que indicasse que eu acertei Goku. Nada.
Acendi a luz e...

Lá estava Goku. Uma ratazana de uns 30 CM se arrastando pelo chão. Dos 12 tiros que disparei devo ter acertado só uns 3 ou 4, mas foi o suficiente para cambalear Goku.
Olhei para o animal, senti um pouco de nojo e pude ouvir do quintal minha cadela arrastando coleira como se quisesse entrar para finalizar o animal.
Mas, espere! Goku ainda não estava morto. Ele estava na verdade tentando se mover lentamente na minha direção.
Teria Goku decidido parar de fugir de suas batalhas e entendido em seus momentos finais que teria de me enfrentar se quisesse sobreviver?
Teria Goku ódio de mim por tê-lo acertado com tiros de chumbinho?
Não sei. Na hora não pensei isso.

Meu único reflexo foi pegar um pedaço de ferro de suporte de uma antiga antena wireless que tinha a anos e que sabe-se lá por que estava na cozinha e golpear terrivelmente o animal.
Um, dois, três, muitos golpes. Só parei quando vi que o pedaço de ferro já enferrujado do passar dos anos começou a entortar.

Goku jazia agora esmagado. Por piada do destino eu não havia atingido se quer um dos golpes na cabeça de Goku. Todos pareciam ter acertado da coluna pra baixo.

Com o próprio ferro da antena espetei Goku e fui de cueca mesmo pra rua jogar o animal a uma morte vã e vergonhosa em meio ao asfalto. Se animais de rua o comerão, se ele terá a pior sorte do mundo e ainda estará vivo na rua mas prestes a ser atropelado muitas e muitas vezes por muitos e muitos veículos ou se ele simplesmente será recolhido pelos limpadores que passam na rua daqui a uma hora eu não sei.
O que sei é que após eliminar Goku joguei quase um litro de cândida na cozinha e lavei com uma mangueira de alta pressão para se quer ter que tocar nos restos imundos do animal.
Outrora campo de batalha de uma luta sangrenta e violenta, minha cozinha está agora límpida como as águas de um rio que ainda não foi explorado pelo PSDB e ou pela Sabesp.
O ar de minha casa cheira como uma doce dama da noite molhada de prazer embebida em essências de flores e de pinho max.
E lá fora há um corpo desfalecido prestes a ser recolhido ou ainda mais completamente esmagado pelo destino.

No fim a vida resume-se apenas a isso. Um homem deficiente assassinando um animal deficiente.

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