terça-feira, 12 de agosto de 2014

Dossiê Escolar: Parte 1

dossiê Jonas, como assim?
Simples caro e nobre leitor. Minha vida escolar gerou muitas situações engraçadas e únicas. Mas, nenhuma delas ou quase nenhuma possui conteúdo o suficiente para um post único. Então, após passar duas semanas pensando em como contar essas histórias cheguei a conclusão de que uma espécie de dossiê com várias histórias caberia melhor e seria mais viável de se escrever.
A princípio serão 5 partes, mas pode ser que conforme eu vá lembrando de coisas a quantidade vá aumentando.
De qualquer forma espero que vocês gostem. Boa leitura!

O Primeiro Dia...

Eu poderia começar escrevendo sobre a minha vida já na primeira série. Mas não é tão fácil assim. É preciso antes lhes contextualizar.
O pré escolar é aquela coisa. As crianças vão pra um lugar fechado que as prive do mundo e prive o mundo delas durante algumas horas, enquanto os pais delas tiram as tais horas pra coisas como serem felizes, viver e coisas similares, coisas essas que eventualmente eles não fazem a muito tempo.

Mas existe uma lacuna. Não basta largar as crianças entre quatro paredes, é preciso colocar um adulto pra supostamente cuidar delas. E é aí que entra a genial ideia dos nossos governos e prefeituras.

Por que não colocar professores formados recentemente e com nenhuma experiência para cuidar de pequenos monstros?
E é isso o que eles fazem.

Então, por algum motivo você criança é obrigado a passar dois anos naquilo. Supostamente lá você seria alfabetizado, aprenderia alguns conceitos mais básicos, etc. Na prática você só desenha, pinta e colore.

O problema pra mim nesse caso é que eu desenho com a perfeição de um cavalo andando e cagando. E talvez por ser cego aprender a desenhar nunca esteve entre os meus planos. Então o pré escolar foi um mundo de tédio e sofrimento no qual eu simplesmente não fazia nada durante quatro horas.

No fim eu só fiz um ano de pré mas, ey, não fazer nada durante quatro horas, 5 vezes por semana, umas 190 vezes por ano. Foi bem ruim. Já da pra imaginar aí como eu fui bem animado pra escola né?

Me fodi!

Antes de irmos ao mundo escolar ainda há algo pra ser dito sobre o pré.
Nos primeiros meses de pré escolar eram todas professoras novas. Mas lá pro quinto mês vieram algumas professoras que precisavam ser reformadas e vinham do ensino público. É tipo como se lá fosse a série B do mundo letivo.
As tais professoras obviamente eram todas péssimas professoras. Meu senso educacional não era dos melhores na época mas, ainda assim eu pressenti que vinha merda.

E amigos, a merda veio, em uma grandiosa e substancial enxurrada letal.
A princípio nossa sala era regida pela bela professora Jaqueline. Uma mulher meiga, graciosa e bonita. "Até hoje ela é bonita."
Entretanto, o destino e o conselho tutelar resolveram que era uma boa ideia trocar a bela tia Jaque pela monstruosa, assustadora e horripilante professora Marilândia. (Sim, era esse mesmo o nome dela, Marilândia, MARILÂNDIA!) A dona Marilândia era uma senhora dos seus 50 anos que deveria ter sido criada numa fábrica de experimentos para importunar o mundo ou coisa parecida. Dotada de uma voz velha e estridente, e pior ainda, de uma garganta potente, dona Marilândia tornou-se o nosso pesadelo, e em especial o meu.

Ocorre que a velha não entendia o que era um cego. Na mente dela cegos eram pessoas que enxergavam e ou não enxergavam por preguiça.
Então tudo teve início.
Como ela tava ali pra mostrar serviço ela começou a alfabetizar as crianças ou tentar. E como na época eu já fazia aula de braille mas pra ela eu não era e ou não poderia ser cego, lá vem ela.
Primeiro ela me deu um caderno de caligrafia daqueles antigos que vinham com linhas imensas. Depois, ela mesma forjou em casa um super caderno gigante com linhas de uns 5 dedos entre si num montante absurdo de cartolina presos com um arame daqueles que tu usa pra prender o chinelo quando quebra.
Mas não adiantava, pois, como bem se sabe a essa altura eu era cego.

O problema era que para dona Marilândia se ela não me alfabetizasse sua vida estaria perdida. Todo o seu esforço no curso de pedagogia teria ido pelos ares. Ela teria perdido para a burrice persistente do meu nervo ótico a guerra da educação.
Então ela fez o impensável.

Lá pra novembro do meu ano de pré a dona Marilândia me preparou uma surpresa. Entrei na sala com meus amiguinhos, coloquei minha lancheira do Goku na mesa e me sentei. Eis que ela me disse toda animada que tinha uma surpresa pra mim que mudaria toda a minha vida.
Mal deu tempo de eu esboçar qualquer reação e entrou um cara todo de branco, me segurou e dizendo palavras incompreensíveis me deu um banho com um líquido nojento ali mesmo. Ele me colocou novamente na cadeira e disse que os deuses devolveriam a minha visão.

Sim, foi isso mesmo. Um pai de santo me fez uma macumba no meio de uma sala de vinte alunos a mando de uma professora. Como se não fosse o bastante, meus "amiguinhos" estavam todos rindo de mim.
No fim do dia fui eu pra casa cheirando ao líquido desconhecido do balde do pai de santo e derrota, muita derrota.

No dia seguinte a dona Marilândia foi devidamente presa. 5 anos depois ela morreu vítima de um açoitamento da natureza, subjugada ao peso de um enorme coqueiro que desabou sobre ela no centro da pequena Franco da Rocha.
Até hoje alguns amigos lembram do fato e riem de mim, riem muito.
A na época diretora do Pré até hoje me pede desculpas por aquele dia.
E a macumba do cara ainda não fez efeito.

O Último Dia!

Depois daquele ano de merda no pré chegava ao fim meu primeiro ano escolar. Era o último dia de aula e iríamos nos despedir em grande estilo, com uma festinha com salgadinhos e comidas.
Eu era um dos mais animados para a festa. Então eu me vesti com a minha melhor roupa, coloquei meu sapato de astronauta e fui correndo de casa até o presinho.

Lá chegando dei de cara com o portão fechado.
Desesperado, fui chamar o seu Claudio (Porteiro da escola) para saber o que havia acontecido. Com uma voz paciente seu Claudio diz em alto e bom som: "I Jonas, a festa foi ontem! Mas sobrou bolo e coxinha, quer levar pra casa?"

E foi assim meus amigos, num prelúdio de toda uma vida que eu encerrei minhas primeiras passadas no mundo do ensino.
Mas é claro que eu levei bolo e coxinha pra casa antes.

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